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JUSTIÇA FEDERAL DO CEARÁ DETERMINA RECORREÇÃO DE PROVA PRÁTICO-PROFISSIONAL DA OAB

 

O Juiz Federal Marcus Vinicius Parene Rebouças determinou que a Fundação Getúlio Vargas e a OAB recorrigam as provas prático-profissionais aplicadas em Dezembro do ano passado. A decisão só abarca candidatos que realizaram o exame no Estado do Ceará. Veja decisão na íntegra:

 

PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DA 5ª REGIÃO
Seção Judiciária do Ceará - 4a Vara Federal - Gabinete do Juiz Titular
Praça Murilo Borges, s/n, edf. Raul Barbosa, 9º andar, Centro, Fort.-CE, CEP 60035-210
*0014822-16.2010.4.05.8100*
Tutela de Urgência nº __________/2011 (Resolução CJF nº 442/2005).
Processo nº 0014822-16.2010.4.05.8100.
Classe 1 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
Autor(a)(e)(s): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF).
Ré(u)(s): CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (CFOAB) e FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV).
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
TUTELA JURISDICIONAL DE URGÊNCIA
(Deferimento Parcial)
I. RELATÓRIO
1.Trata-se de ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), por intermédio do m.d. Procurador Regional da República Dr. Francisco de Araújo Macedo Filho, em face do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em função de supostas irregularidades relacionadas ao Exame de Ordem Unificado 2010.2, particularmente no que diz respeito aos critérios de correção das provas prático-profissionais (2ª fase) e ao acesso aos espelhos avaliativos pertinentes, com possível afronta às prescrições normativas do art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009 do Conselho Federal da OAB, do item 5.7 do Edital do Exame e do art. 5º, inc. LV, da CF/1988 (princípio da ampla defesa).
2.Nesse contexto, colima o Parquet Federal, em sede de provimento jurisdicional de urgência, a concessão de antecipação de tutela que determine às Demandadas que: (a) suspendam a divulgação do resultado final do Exame, agendada para o dia 14.01.2011 (próxima sexta-feira); (b) promovam a recorreção das provas prático-profissionais do Exame, com posterior divulgação dos espelhos de todas as provas corrigidas, pautando as correções, desta feita, de acordo com o disposto no art. 6, § 3º do Provimento nº 136/2009 e no item 5.7 do Edital de Abertura do Certame; e (c) concedam prazo razoável para a interposição de eventuais novos recursos administrativos em face das recorreções realizadas, melhor estruturando, ademais, os sítios da Internet disponíveis para tanto e conferindo maior espaço (maior número de caracteres) para a redação do recursos. Requereu, outrossim, a fixação de multa cominatória diária, para o caso de eventual descumprimento da decisão judicial postulada.
3.Como provimento de mérito, almeja, por sua vez, a confirmação dos efeitos da antecipação de tutela requestada, nos termos precedentemente aduzidos.
4.Em prol de sua pretensão, além de discorrer sobre a competência da Justiça Federal e sobre sua legitimidade e interesse de agir, o MPF aduziu, em suma, o seguinte: (a) o Exame de Ordem Unificado 2010.2, regido pelo Provimento nº 136/2009, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e executado com os serviços técnicos especializados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), está sendo alvo de notícias de irregularidades em blogs, sítios da Internet, enfim, em todos os meios de comunicação que o candidatos dispõem para expressar sua indignação, tendo o MPF recebido, em todo o País, denúncias de possíveis problemas; (b) no âmbito da Procuradoria da República no Estado do Ceará, foi instaurado, com base em representações de vários examinandos, o Procedimento Administrativo (PA) nº 1.15.000.003319/2010-99, no qual foram apuradas irregularidades especialmente no que diz respeito aos critérios de correção das provas prático-profissionais (2ª fase) e ao acesso aos espelhos dessas avaliações, em afronta ao art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009, ao disposto no item 5.7 do Edital do Exame e ao art. 5º, inc. LV, da CF/1988 (princípio da ampla defesa); (c) apesar de o art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009, que estabelece normas e diretrizes básicas norteadoras dos exames da Ordem, prescrever que, "na prova prático-profissional, os examinadores avaliarão o raciocínio jurídico, a fundamentação e sua consistência, a capacidade de interpretação e exposição, a correção gramatical e a técnica profissional demonstrada", constatou-se, em análise do espelho de correção individual da prova prático-profissional de Direito do Trabalho, que inexistiu qualquer pontuação referente aos critérios de correção gramatical, raciocínio jurídico, capacidade de interpretação e exposição e técnica profissional demonstrada, mas apenas em relação ao critério atinente à fundamentação e sua consistência, tendo em vista que a pontuação atribuída relacionou-se apenas à indicação de normas e outros objetos normativos em que a resposta do candidato deveria se basear (verbi gratia, súmulas vinculantes) e também a justificativas jurídicas que deveriam ser tratadas na questão; (d) as provas dos examinandos deveriam efetivamente receber pontuação progressiva na medida em que constatada excelência em cada um dos critérios estatuídos no art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009, o que, de fato, não se verificou, em verdadeira afronta ao princípio da legalidade; (e) conforme representações juntadas aos autos do PA, a aludida irregularidade foi reproduzida em todos os espelhos, isto é, em todas as correções; (f) não se levou em conta, ou seja, não se pontuou, como a CESPE/UNB (antiga organizadora do Exame, hoje substituída pela FGV) fazia em suas correções, a apresentação, estrutura textual e correção gramatical, nem o domínio do raciocínio jurídico, adequação da resposta ao problema, técnica profissional demonstrada, capacidade de interpretação e exposição, consoante constava no espelho referente ao Exame de Ordem 2010.1, juntado aos autos; (g) isso acabou por prejudicar os examinandos, já que a pontuação que poderiam obter no uso correto da Língua Portuguesa, com a forma de exposição de sua resposta, mostrando capacidade de interpretar o enunciado da questão (que simula o caso concreto) e expor suas idéias e justificativas (solução) e demonstrando técnica profissional para elaborar a peça processual adequada, foi totalmente aplicada em critérios que definem apenas se o candidato indicou todos os elementos normativos e discorreu sobre as fundamentações jurídicas necessárias para justificar suas respostas, reduzindo-se, assim, a uma mera análise técnico-jurídica, o que não é, como é sabido, somente o que se espera de um bom advogado; (h) o intuito do Exame é testar o bacharel de Direito em todas as qualidades que deve ter para integrar o mercado de trabalho da Advocacia, de forma que a correção da prova prático-profissional não poderia se limitar a uma análise meramente técnico-jurídica da prova, concentrando-se em indicações de normas e súmulas; (i) houve também violação do disposto na parte final do item 5.7 do Edital, que preceitua que o espelho de correção das provas deveria especificar a pontuação obtida em cada um dos critérios de correção da prova, de modo a conferir ao examinando todos os elementos necessários para a formulação de seu recurso, se assim entendesse necessário; (j) nos termos do mencionado item 5.7 do Edital e do princípio da motivação (art. 50, incisos III e V, da Lei nº 9.784/1999), os conteúdos da coluna "quesito avaliado" dos espelhos de correção individual deveriam descrever, com precisão, todos critérios adotados para a avaliação das provas prático-profissionais, ao contrário do que ocorreu, conforme dessume da observação constante ao final deles no sentido de que "constituem somente um indicativo dos critérios adotados para a avaliação da prova prático-profissional", utilizada com o fim de se desobrigar de uma correção precisa e transparente; (l) os espelhos não conferiram, portanto, aos examinandos elementos suficientes para se saber quais os erros cometidos, de forma que os candidatos tiveram que redigir seus recursos de forma genérica, pois não sabiam efetivamente em que critérios cometeram faltas; (m) se mantida a correção dessa maneira, além de se estar desobedecendo o Provimento nº 136/2009 e o item 5.7 do Edital, estar-se-ia permitindo verdadeira afronta ao princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, inc. LV, da CF/1988), pois o examinando não teria elementos necessários para a formulação de seus recursos, e nem poderia formular um recurso genérico, sob pena de ser considerado inconsistente; (n) a problemática ainda foi agravada pelo fato de que os sítios na Internet disponibilizados para a visualização dos espelhos de correção e para a interposição de recursos não possuíam a capacidade necessária para suportar os acessos dos candidatos, do que resultou que muitos examinandos tiveram enorme dificuldade para ter acesso a seus espelhos de correção e para redigir seus possíveis recursos; (o) além disso, alguns espelhos possuíam erros materiais, como somatória incorreta, erro de português e pontos incoerentes, e vários candidatos nem tiveram seus espelhos individuais disponibilizados; (p) essas irregularidades levaram o Presidente da OAB, Sr. Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior, a se manifestar, no dia 08.12.2010, no sentido de proceder a uma nova correção das provas prático-profissionais, com o que, contudo, voltou atrás, justificando sua medida com a afirmação de que os equívocos deram-se apenas por erros de digitação por parte da FGV, e que as notas individualizadas estariam devidamente disponíveis até o dia 09.12.2010 (o prazo para recursos foi, assim, prorrogado para o dia 12.12.2010; (q) isso efetivamente aconteceu, mas o site ficou praticamente inacessível, impossibilitando a interposição dos recursos, do que resultou grande insegurança quanto à credibilidade das correções que foram feitas, além de prejudicar vários candidatos no seu direito de defesa, que tiveram de passar horas em frente ao computador para eventualmente conseguirem ter acesso a um espelho que não observou os critérios determinados pelo Provimento nº 136/2009 e não fornecia todos os elementos necessários para interpor recursos, com o agravante de que os recursos não poderiam ter mais do que 2.500 caracteres (incluindo o espaço entre as palavras!), na forma do item 5.4 do Edital; (r) houve claro malferimento do princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, inc. LV, CF/1988), pois o candidato, além de não saber o que realmente errara, de toda a dificuldade em acessar o sítio da Internet, cumulada com o dever de redigir um recurso direto e específico para cada item impugnado, não podia nem conseguia recorrer de todos os pontos realmente controversos em sua correção, pois tinha limitado número de caracteres para fazê-lo. Com lastro nessas alegações, sustenta que, devido à violação ao art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009 e ao item 5.7 do Edital, cabe ao Conselho Federal da OAB, juntamente com a Organizadora do Exame (FGV), designar nova banca examinadora conforme o art. 15, §§1º e 2º, do Provimento nº 136/2009, a fim de que seja feita nova correção das provas prático-profissionais, agora incluindo os critérios atinentes à correção gramatical, raciocínio jurídico, capacidade de interpretação e exposição e técnica profissional demonstrada, assegurando, ademais, que os respectivos espelhos de correção individual das provas devam justificar corretamente a pontuação de cada item, indicando a natureza do erro e a localização dentro do texto definitivo do examinando.
5.Instruem a petição inicial os documentos de fls. 23-124.
6.Nos termos do despacho de fls. 126-127, determinou-se a intimação do CFOAB e da FGV, por fax, para que, assim, pudessem exercer, no prazo improrrogável de 24 (vinte e quatro) horas, o ônus processual de discorrerem a respeito do conteúdo desta demanda e de coligirem as provas que porventura reputassem pertinentes.
7.Em aditamento à exordial, o MPF coligiu a cota de fls. 129-132, adornada com os documentos de fls. 133-136, na qual alegou, em síntese, que, além das irregularidades já apontadas, restou constatada a ocorrência de nova falha no Exame, consistente no fato de que a peça profissional de Direito Civil foi corrigida com base num teto de pontuação de 6,0 (seis) pontos, quando, em verdade, deveria ter sido cotada com um patamar máximo de 5,0 (cinco) pontos, na forma estatuída expressamente no item 3.5.1.1 do Edital. Enfatizou, em seguida, que referida peça, corrigida com base numa tabela de pontuação destoante do Edital, acabou por valer mais no total da prova de 2ª fase (prova prático-profissional), influindo, assim, na distribuição de pontos e impedindo muitos examinados de alcançarem maiores pontuações. Relatou, ainda, que, ao contrário do que ocorrera na correção da peça profissional de Direito Civil, em outras provas, tal como, v.g., a de Direito Penal, o somatório da pontuação relativa à peça profissional totalizou apenas os 5,00 (cinco) pontos, corretamente, o que demonstra a falta de isonomia na correção das provas dos candidatos, já que, para alguns, a peça profissional teve maior peso, enquanto, para outros, não. Ao final, requereu que se proceda a uma nova correção, que, desta vez, além de obedecer ao disposto no art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009 e ao item 5.7 do Edital, deverá também levar em consideração a pontuação correta para todas as peças profissionais, conforme o item 3.5.1.1 do Edital.
8.Por sua vez, a FGV apresentou a manifestação defensiva de fls. 140-184, acompanhada dos documentos de fls. 185-236, na qual, de início, discorreu sobre a qualidade dos serviços que presta ao Poder Público e à iniciativa privada, inclusive no que diz respeito à organização de certames públicos, bem como, após breve resenha sobre a peça inaugural, arguiu as preliminares de ilegitimidade ativa do MPF e de nulidade do PA nº 1.15.000.003319/2010-99. No tocante ao mérito propriamente dito, alegou, em resumo, que: (a) conforme demonstram os espelhos colacionados, a correção das provas do Exame pautou-se pelos critérios consignados no art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009, inclusive no que concerne à correção gramatical, os quais não são passíveis de serem avaliados de forma isolada, mas, apenas, conjuntamente; (b) não assiste razão ao MPF quando sustenta a insuficiência do limite do número de caracteres permitidos para a interposição de recurso; (c) não é, em rigor, franqueado ao Judiciário intervir nos critérios de formulação e correção de provas admissionais ou atribuir pontos a candidatos, sob pena de intromissão indevida em seara reservada à discricionariedade administrativa da banca examinadora, consoante entendimento consolidado em iterativa orientação jurisprudencial a respeito dessa temática; e (d) na espécie, colima o MPF que se efetue, através do Judiciário, não o exame da adequação das questões do Exame aos termos do Edital, mas, sim, o reexame dos critérios de correção do Certame, o que é inadmissível. Postulou, ao final, a dissolução processual, sem resolução meritória, nos termos das preliminares suscitadas, ou, para o caso de eventual rejeição, requereu a denegação da antecipação de tutela pleiteada.
9.Igualmente instado a se manifestar, o Conselho Federal da OAB juntou a peça defensiva de fls. 239-270, instruída com os documentos de fls. 271-273, em que, depois de fazer um breve resumo da peça vestibular, suscitou as preliminares de ilegitimidade ativa do MPF e, após, defendeu que não restaram satisfeitos, no caso, quaisquer dos requisitos preconizados no art. 273 do CPC, necessários ao deferimento da tutela emergencial requestada. No que tange aos aspectos meritórios, sustentou que: (a) apesar de o art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009 prescrever que os examinadores "avaliarão" o raciocínio jurídico, a fundamentação e sua consistência, a capacidade de interpretação e exposição, a correção gramatical e a técnica profissional demonstrada, não impõe que esses critérios sejam individualmente pontuados, daí a incorreção da tese ministerial; (b) não se deve confundir a interpretação do aludido dispositivo com a rotina operacional anteriormente adotada pelo CESPE/UnB em relação à correção das provas prático-profissionais; (c) não houve, no caso, qualquer descumprimento do disposto no item 5.7 do Edital, haja vista que os critérios de avaliação foram efetivamente considerados, avaliados e observados pela banca examinadora, tendo sido, ademais, devidamente disponibilizados aos candidatos, pela Internet, os padrões de resposta (gabaritos comentados) e os espelhos de correção individualizados por candidato, assegurando-lhes, desse modo, o acesso aos elementos necessários à interposição de seus recursos administrativos; (d) conquanto o CESPE/UnB individualizasse a pontuação da prova prático-profissional em quesitos separados e por critérios de avaliação, esse modelo gerava divergências subjetivas, razão pela qual promoveu-se a alteração da sistemática de correção, que vinha causando graves problemas, passando-se, então, a adotar pontuações mais objetivas, com o fito de se aperfeiçoar o modelo, erradicar elementos de subjetividade e não mais incorrer em injustiças e tratamentos anti-isonômicos ("procurou-se objetivar o subjetivo"; (e) essa alteração em nada prejudicou os itens alinhados no Provimento nº 136/2009, tampouco incorreu em ofensa ao item 5.7 do Edital, já que os aspectos exigidos nessas disposições normativas foram considerados na pontuação atribuída aos candidatos, de forma objetiva e isonômica; (f) não é obrigatório, em todo Exame de Ordem, que os examinadores corrijam as provas profissionais e atribuam pontos, de forma individualizada, a cada um dos critérios descritos no art. 6º, § 3º, do Provimento; (g) a tese ministerial leva a conclusões inaceitáveis, comportando, inclusive, v.g., a possibilidade virtual de candidatos obterem pontos com base simplesmente na correção gramatical, na inexistência de erros linguísticos ou no desenvolvimento de adequada estrutura textual, embora não tenham compreendido a situação-problema e não tenham apontado a solução jurídica adequada para o caso proposto, prestigiando-se, assim, a forma em detrimento do conteúdo; (h) não se justifica a alegação ministerial acerca da insegurança quanto à credibilidade das correções, tanto é assim que a divulgação dos resultados dos recursos administrativos foi designada somente para o dia 14.01.2011; (i) se os candidatos não tivessem condições de saber quais erros cometeram, não se justificaria o fato de terem sido interpostos recursos por cerca de 23.000 (vinte e três mil) examinados; (j) conquanto tenham, de fato, ocorrido alguns problemas técnicos de acesso no início da divulgação dos espelhos, referidos problemas foram resolvidos, tendo sido disponibilizados, a partir do dia 06.12.2010, os espelhos de correção individualizados, assegurando-se prazo para recursos, que foi prorrogado, sendo certo que nenhum candidato deixou de apresentar sua insurgência administrativa por conta de problemas técnicos de acessibilidade, já que a estrutura tecnológica utilizada está adequada e dimensionada ao volume de consultas; (l) não há razões que determinem a re-estruturação dos sítios da Internet destinados à visualização dos espelhos e à interposição dos recursos, com ampliação do número de caracteres, visto que as adequações a respeito da acessibilidade já foram perfeitamente sanadas e dimensionadas ao volume de inscritos no Exame e os recursos não se destinam à rediscussão integral dos critérios de correção utilizados pela Banca, mas, sim, para apontamento objetivo e conciso de eventuais equívocos de correção; (m) carece de sustentação a alegação do MPF/CE acerca da limitação do número de caracteres previsto no Edital (2.500) e do somatório equivocado dos pontos (questão objeto do aditamento), ou mesmo de suposta afronta à ampla defesa; e (m) não deve o Judiciário interferir em litígios administrativos que envolvam reprovação de candidatos em provas admissionais, quando o próprio candidato não consegue obter êxito por impossibilidade de atingir a pontuação mínima necessária exigida para sua aprovação. No mais, asseverou que, na forma do art. 16 da Lei nº 7.347/1985, os efeitos das decisões judiciais em sede de ação civil pública restringem-se aos limites territoriais da jurisdição do órgão prolator, bem como destacou que o eventual deferimento da tutela de urgência postulara provocará grave lesão à ordem pública, jurídico-administrativa e financeira da OAB, materializando, portanto, considerável periculum in mora reverso, visto que, além de gerar insegurança jurídica e importar incremento dos elevados custos do Exame, dentre outras razões, atingirá diretamente um grande volume de pessoas, no caso, quase 47.000 (quarenta e sete mil) candidatos, dos quais 12.635 (doze mil, seiscentos e trinta e cinco) já lograram êxito e muitos deles já se encontram inscritos na OAB. Por fim, requereu o acolhimento da preliminar de ilegitimidade ativa, com a consequente extinção processual sem resolução de mérito, e, acaso ultrapassada, o pleiteou o indeferimento do pedido de antecipação de tutela.
10.Peça de fls. 275-277, em que a FGV noticia que a disparidade de notas apontada pelo MPF no aditamento de fls. 129-132 fundou-se em mero erro de digitação, o qual já foi devidamente sanado em 08.12.2010, no próprio sítio do Exame, não se justificando, assim, a alegação ministerial a esse respeito.
11.Vieram-me os autos conclusos.
12.Eis o relatório a respeito dos atos processuais que, segundo penso, merecem maior relevo neste estádio processual. Passo, doravante, a deliberar.
II. FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÕES PRELIMINARES
DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MPF
13.Consoante iterativa orientação jurisdicional a esse respeito, o Ministério Público detém, em rigor, legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos e interesses transindividuais difusos e coletivos e individuais homogêneos, nesse último caso quando restar caracterizado relevante interesse social.
14.Na espécie, a própria dimensão espacial e subjetiva do dano verberado e suas características peculiares, bem como a relevância dos bens jurídicos em debate, intimamente relacionados à regularidade do Exame de Ordem e ao direito fundamental ao exercício profissional de milhares de candidatos, justificam, de per si, o reconhecimento do interesse social em coeficiente necessário à legitimação ministerial.
15.Ademais, a prevenção da proliferação de demandas individuais evidencia nitidamente o interesse social, já que a diminuição de causas com o mesmo objeto privilegia uma prestação jurisdicional mais eficiente, célere e uniforme.1
DA COMPETÊNCIA FUNCIONAL DESTE JUÍZO
16.Conforme preceitua expressamente o art. 2º da Lei nº 7.347/19852, a competência funcional, absoluta, para o conhecimento, processamento e julgamento de ações civis públicas cabe ao foro do local onde ocorrer o dano alegado, sendo, para esse fim, irrelevante o local do domicílio do réu.
17.Na espécie, como parcela expressiva do dano verberado, que diz respeito a interesses individuais homogêneos perfeitamente individualizáveis e divisíveis, projetou-se sobre a Subseção Judiciária de Fortaleza, inserida na Seção Judiciária do Ceará, resta inequívoca a competência deste Juízo Federal para o conhecimento, processamento e julgamento desta ação civil pública, independentemente do fato de as Demandadas serem domiciliadas em outras Subseções Judiciárias.
18.Destaco, outrossim, que, pela própria dicção do caput do art. 93 do CDC, os balizamentos constantes nesse dispositivo referem-se, em rigor, à Justiça Estadual, e não à Justiça Federal.
DOS EFEITOS ESPACIAIS E SUBJETIVOS DESTA DECISÃO JUDICIAL
19.Na forma modulada pelo controvertido art. 16 da Lei nº 7.347/1985, alterado pela Lei nº 9.494/19973, "a sentença civil fará coisa julgada ´erga omnes`, nos limites da competência territorial do órgão prolator".
20.Nessa toada, tratando-se de ação civil pública que versa sobre interesses individuais homogêneos perfeitamente individualizáveis e divisíveis, inexistindo, ademais, concorrência ou risco de preterição de ordem classificatória entre os candidatos que participaram do Certame nas diversas Seções e Subseções Judiciárias do País, a eficácia subjetiva erga omnes desta ação civil pública limita-se estritamente aos lindes espaciais da competência territorial deste Juízo Federal, o qual abrange apenas a Subseção Judiciária de Fortaleza4.
21.Assim, esta decisão terá eficácia erga omnes apenas em relação aos candidatos que, no ato de inscrição do Exame, optaram pelas Seccionais da OAB sediadas no território da Subseção Judiciária de Fortaleza, nos termos do art. 2.4.1 do Edital5.
DA ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO PA Nº nº 1.15.000.003319/2010-99
22.Como a ação civil pública não se vincula à imprescindibilidade do respectivo inquérito civil ou de eventual procedimento administrativo preparatório, instrumentos de caráter meramente informativo, eventual nulidade a maculá-los não contamina a subsequente ação judicial, razão pela qual reputo prejudicada a arguição preliminar a esse respeito.
23.Inexistindo outras questões de ordem preliminar ou prejudicial, bem como tendo sido devidamente satisfeitas as condições gerais e/ou especiais de acionamento judiciário e os pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento válido e regular da instância instrumental, recebo a peça vestibular e passo a examinar diretamente o pedido de antecipação de tutela formulado, à luz da legislação, jurisprudência e doutrina aplicáveis à matéria.
DOS BALIZAMENTOS PROCESSUAIS RELATIVOS À TUTELA EMERGENCIAL
24.Pois bem. Disciplinando a particular matéria atinente à concessão de tutelas jurisdicionais emergenciais em sede de ações civis públicas, estatui o preceptivo do caput do art. 12 da Lei nº 7.347/19876 que "poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo".
25.Referida proposição prescritiva não discrimina, contudo, balizamentos específicos para o deferimento de medidas urgentes em demandas desse jaez, razão pela qual são plenamente operantes, nessa seara, as modulações genéricas insertas no CPC, consoante dicção expressa do art. 19 da Lei nº 7.347/19877.
26.Por seu turno, para a precipitação parcial ou total da eficácia da tutela nas ações cognitivas em geral, é imprescindível, via de regra, a conjugação dos pressupostos genéricos e específicos insertos na equação balizada pelo art. 273, caput, incisos I e II, e § 2º, do CPC, com as alterações decorrentes da Lei nº 8.952/1994, quais sejam: a verossimilhança da alegação lastreada em prova inequívoca e a reversibilidade do provimento requestado, conciliados, alternativamente, com o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou com o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
27.Predica, outrossim, o § 6º do art. 273 do CPC, acrescido pela Lei nº 10.444/2002, hipótese autônoma de deferimento da antecipação da tutela, independentemente da satisfação dos requisitos precitados, "quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".
28.Particularmente no tocante às ações condenatórias que têm objeto obrigação de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa, exigem-se requisitos mais brandos para o adiantamento da tutela específica, na forma dos arts. 461, § 3º, e 461-A, § 3º, ambos do CPC, com as modificações introduzidas pelas Leis nº 8.952/1994 e Lei nº 10.444/2002, já que, para tanto, basta que reste decantada, nos autos, a relevância dos fundamentos da demanda, bem como o fundado receio de ineficácia do provimento final.
29.Noutro quadrante, no bojo de processos sequenciados sob o rito ordinário, são perfeitamente manejáveis, inicial ou incidentalmente, medidas emergenciais de feição cautelar, desde que satisfeitos os respectivos pressupostos preconizados no art. 798 do CPC, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora, nos termos da fungibilidade instrumental encampada pelo art. 273, § 7º, do CPC, acrescido pela Lei nº 10.444/2002, na esteira do nominado movimento dogmático do "sincretismo processual".
30.A par dessas asserções, a concessão de tutelas de urgência em face da Fazenda Pública encontra óbice nas disposições normativas dos arts. 1º e 2º-B da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pela MP nº 2.180-35/2001, 5º, caput e PU, e 7º da Lei nº 4.348/1964, 1º, caput e § 4º, da Lei nº 5.021/1966, 1º, 3º, e 4º da Lei nº 8.437/1992, que vedam a prolação de medidas judiciais desse jaez que esgotem, no todo ou em parte, o objeto da ação, bem como nos casos que importem compensação de créditos tributários ou previdenciários, liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, outorga ou adição de vencimentos, inclusive com o aumento ou a extensão de vantagens, e reclassificação funcional ou equiparação de servidores.
31.Na espécie, sobressai claro que, além de não encontrar arrimo no § 6º do art. 273 do CPC, ante o dissídio conflagrado sobre a integralidade da vindicação, e de comungar da natureza antecipatória, e não cautelar, dado o seu matiz satisfativo, sendo inaplicável ao caso o regramento do § 7º do art. 273 do CPC, a tutela emergencial postulada há de ser filtrada com base nos requisitos encartados na norma do art. 461, § 3º, do CPC, e não nas prescrições do art. 273, caput, incisos I e II, e § 2º, do CPC, já que a demanda tem por objeto obrigações de fazer e de não fazer. Vale, ademais, ressaltar que o eventual deferimento da tutela vindicada não encontra empecilho jurídico nas predicações dos arts. 1º e 2º-B da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pela MP nº 2.180-35/2001, 5º, caput e PU, e 7º da Lei nº 4.348/1964, 1º, caput e § 4º, da Lei nº 5.021/1966, 1º, 3º, e 4º da Lei nº 8.437/1992.
32.Tudo contado e medido, o cerne da questão em deslinde consiste, portanto, em se apurar, num exercício de cognição perfunctória e de jurisdição emergencial, se, sob o filtro do art. 461, § 3º, do CPC, é cabível, ou não, a concessão de tutela jurisdicional de urgência que compila o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) a: (a) suspenderem a divulgação do resultado final do Exame, agendada para o dia 14.01.2011 (próxima sexta-feira); (b) promoverem a recorreção das provas prático-profissionais do Exame, com posterior divulgação dos espelhos de todas as provas corrigidas, pautando as correções, desta feita, de acordo com o disposto no art. 6, § 3º do Provimento nº 136/2009 e no item 5.7 do Edital de Abertura do Certame; e (c) concederem prazo razoável para a interposição de eventuais novos recursos administrativos em face das recorreções realizadas, melhor estruturando, ademais, os sítios da Internet disponíveis para tanto e conferindo maior espaço (maior número de caracteres) para a redação do recursos.
DO EFETIVO EXAME DA TUTELA EMERGENCIAL
33.Examinando se restou, ou não, satisfeito o requisito da relevância dos fundamentos da demanda, e pautando-me pela persecução da plausibilidade do direito verberado, evoco a premissa de que, conforme entendimento jurisprudencial já repisado e consolidado acerca da matéria em comento, não cabe, via de regra, ao Poder Judiciário a análise jurisdicional dos parâmetros de elaboração, avaliação e correção de provas porventura adotados por comissões examinadoras em certames públicos, nem a atribuição de notas ou pontos a provas, em verdadeiro exercício de substituição de bancas avaliadoras na valoração técnico-científica das respostas dadas pelos candidatos.
34.Em abono a essa linha de intelecção, orienta-se a jurisprudência do col. STJ e do eg. TRF da 5ª Região, consoante ilustram os paradigmáticos excertos doravante colacionados, in verbis:
"Em concurso público, compete ao Poder Judiciário tão-somente a verificação de questões pertinentes à legalidade do Edital e ao cumprimento das suas normas pela comissão responsável, não podendo, sob pena de substituir a banca examinadora, proceder à avaliação das questões das provas. Precedentes deste e. STJ."8
"Não cabe ao Poder Judiciário, no controle jurisdicional da legalidade do concurso público, tomar o lugar da banca examinadora, nos critérios de correção de provas e de atribuição de notas a ela, quando tais critérios forem exigidos, imparcialmente, de todos os candidatos."9
"No que refere à possibilidade de anulação de questões de provas de concursos públicos, firmou-se na Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça entendimento de que, em regra, não compete ao Poder Judiciário apreciar critérios na formulação e correção das provas. Com efeito, em respeito ao princípio da separação de poderes consagrado na Constituição Federal, é da banca examinadora desses certames a responsabilidade pela sua análise."10
"Não compete ao Poder Judiciário, atuando em verdadeira substituição à banca examinadora, apreciar critérios na formulação de questões; correção de provas e outros, muito menos a pretexto de anular questões."11
"Inviável a discussão pelo Poder Judiciário acerca do acerto ou não da formulação das questões pela banca examinadora de concurso público."12
"Em concurso público, compete ao Poder Judiciário somente a verificação dos quesitos relativos à legalidade do edital e ao cumprimento das suas normas pela comissão responsável, não podendo, sob pena de substituir a Banca Examinadora, proceder à avaliação das questões da prova."13
"No tocante à adequação técnica dos critérios de correção, na linha dos precedentes do STF, não pode o Poder Judiciário imiscuir-se em tais questões para valorar os critérios científicos utilizados nos exames e nas avaliações das respostas, substituindo-se à banca examinadora nos parâmetros de avaliação e correção dos exames."14
35.É certo que, ante o preceito consagrado no art. 5º, inc. XXXV, da CF/198815, que assegura tanto a garantia fundamental de livre acesso formal e substantivo à ordem jurídica justa quanto a inafastabilidade do controle jurisdicional sobre eventual lesão ou ameaça a direito, a vedação ao exame jurisdicional de provas de certames públicos não é absoluta. A atuação do Judiciário restringe-se, contudo, à apreciação de posturas inconstitucionais e/ou ilegais verificadas no curso do procedimento administrativo referente ao certame. Em outros termos, a despeito de gozar a Administração Pública de uma margem de liberdade, esta liberdade não é absoluta, podendo o Judiciário controlar os contornos constitucionais e legais da esfera de discricionariedade, sem invadir, porém, a circunscrição reservada do mérito administrativo propriamente dito.
36.Nesse sentido, leciona, com maestria, a eminente Juíza Federal Dra. Germana de Oliveira Moraes16:
"A insindicabilidade judicial da substância dos critérios, em si, de correção dos exames e da justeza das notas atribuídas, não exclui a verificação pelo Poder Judiciário da observância dos princípios constitucionais da Administração Pública. Além de vícios de ilegalidade, como, por exemplo, quando a questão formulada na prova se afasta do conteúdo das matérias relacionadas no Regulamento do Concurso, é possível a existência de vícios de inconstitucionalidade, questionáveis em Juízo, v.g., a desatenção ao princípio da publicidade, a falta de fundamentos do ato de correção; o desacato ao princípio da igualdade, por causa da utilização, no caso concreto, de critérios diferenciados de correção para os candidatos; a preterição do princípio da razoabilidade, evidenciado pela desconsideração das respostas dos exames que deveriam ter sido levadas em conta; ou do princípio da proporcionalidade, em virtude de atribuição de nota zero, quando, à evidência, a resposta, de acordo com as normas pedagógicas, seria merecedora de maior pontuação."
37.Ainda sobre este tema, a eminente Magistrada assim dispõe17:
"A diretriz jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, órgão judiciário responsável pela uniformização da jurisprudência em matéria infraconstitucional, firmou-se no sentido de que "o critério de correção de provas e atribuição de notas estabelecido pela Banca Examinadora não pode ser discutido no Judiciário, limitando-se a atuação deste ao exame da legalidade do procedimento administrativo" (ROMS 274/BA, Relator Ministro Anselmo Santiago).
No âmbito, porém, do Supremo Tribunal Federal - o guardião da Constituição, predomina o entendimento de que "os critérios adotados pela banca examinadora de um concurso não podem ser revistos pelo Poder Judiciário, salvo se houver inconstitucionalidade ou ilegalidade" (MS 21.176 - Ministro Aldir Passarinho).
(...)
O posicionamento tradicional que veda ao Poder Judiciário substituir-se à banca examinadora na valoração das respostas, em termos a discutir com os próprios examinadores, remonta à orientação do antigo extinto Tribunal Federal de Recursos, onde se entendia que ´se admissível abrir-se exceção à regra, inclusive quanto à forma de julgar as questões de prova, tão-somente em relação ao candidato-autor, constituiria quebra ao princípio da igualdade de todos os candidatos` (EAC 25.695)."
38.Não se discute o acerto desse posicionamento. Realmente, caso o Julgador substituísse os critérios de correção manejados pelos corretores por outros que ele próprio entendesse cabíveis, estar-se-ia diante de um agigantamento injustificado da função jurisdicional, haja vista que o Juiz, atuando fora dos limites da legalidade latu sensu, estaria a usurpar função pertencente, com exclusividade, ao administrador, afrontando a separação tripartite dos poderes republicanos.
39.Compete, pois, ao Poder Judiciário, tão-somente, em princípio, o exame dos elementos extrínsecos e formais do ato administrativo impugnado, não lhe sendo franqueada a prerrogativa de, substituindo-se à banca examinadora, avaliar, subjetivamente, o acerto na formulação das perguntas e das respostas tidas como corretas ou erradas pela banca. Demais disso, é lição basilar de Direito a de que os certames públicos são norteados, dentre outros, pelo princípio da vinculação editalícia, consoante o qual o candidato, ao participar de concurso, vincula-se, obrigatoriamente, às normas constantes no respectivo edital, dentre as quais, as que dispõem sobre os critérios de correção das provas e sobre a corrente técnico-científica adotada pela banca examinadora para a atribuição de notas. Saliento, outrossim, que a adoção de uma tese ou linha de orientação pela banca examinadora, ainda que não unânime, não tem o condão, a priori, de amparar a anulação judicial de um quesito, pois essa conduta importaria interferência indevida do Judiciário na seara discricionária da Administração Pública.
40.Noutra senda, é mister pontuar que o edital, onde são fixadas as condições de participação no concurso, bem como o conjunto das regras, termos e critérios que irão regê-lo, figura como lei interna do certame, vinculando, dessarte, não apenas os candidatos, mas também a própria Administração, estabelecendo, em razão disso, direitos e deveres recíprocos. De fato, a Administração vincula-se às disposições editalícias, como decorrência de sua atuação impessoal e segundo princípios que regem o concurso público, de forma que, se dele se distanciar, poderá incorrer em afronta ao princípio da legalidade. Nesse contexto, cabe ao Judiciário o papel institucional de sindicar se as normas reitoras do certame foram, ou não, seguidas à risca pela comissão responsável.
41.Feitos esses balizamentos inaugurais e voltando-me para o caso concreto, vislumbro que, conforme preceitua o art. 54, inc. V, da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB)18, compete ao Conselho Federal da Ordem "editar e alterar [...] os Provimentos que julgar necessários". Predica, por sua vez, o § 1º do art. 8º da Lei nº 8.906/1994, que "o Exame de Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB"19.
42.Verifico, outrossim, que o item 1.1 do Edital de Abertura do Exame de Ordem Unificado 2010.2 estatuiu que o Certame reger-se-ia pelo Provimento nº 136/2009 do Conselho Federal da OAB, nos seguintes termos:
1.1. O Exame de Ordem será regido por este edital e pelo Provimento n. 136/2009 do Conselho Federal da OAB, observada a Resolução CNE/CES n. 9, de 29 de setembro de 2004, e executado com os serviços técnicos especializados da Fundação Getulio Vargas (FGV). [gn]
43.Disciplinando, ao seu turno, as provas aplicáveis nos Exames de Ordem, o art. 6º do Provimento nº 136/2009 assim dispõe:
Art. 6º O Exame de Ordem abrange 02 (duas) provas, compreendendo os conteúdos previstos nos Eixos de Formação Fundamental e de Formação Profissional do curso de graduação em Direito, conforme as diretrizes curriculares instituídas pelo Conselho Nacional de Educação, bem assim Direitos Humanos, Estatuto da Advocacia e da OAB, Regulamento Geral e Código de Ética e Disciplina, além de outras matérias jurídicas, desde que previstas no edital, a saber:
I - prova objetiva, sem consulta, de caráter eliminatório;
II - prova prático-profissional, permitida, exclusivamente, a consulta à legislação sem qualquer anotação ou comentário, na área de opção do examinando, composta de 02 (duas) partes distintas:
a) redação de peça profissional;
b) 05 (cinco) questões práticas, sob a forma de situações-problema.
§ 1º A prova objetiva conterá 100 (cem) questões de múltipla escolha, com 04 (quatro) opções cada, devendo conter, no mínimo, 15% (quinze por cento) de questões sobre Direitos Humanos, Estatuto da Advocacia e da OAB, Regulamento Geral e Código de Ética e Disciplina, exigido o mínimo de 50% (cinqüenta por cento) de acertos para habilitação à prova práticoprofissional.
§ 2º A prova prático-profissional, elaborada conforme o programa constante do edital, observará os seguintes critérios:
a) a peça profissional valerá 05 (cinco) pontos e cada uma das questões, 01 (um) ponto;
b) será considerado aprovado o examinando que obtiver nota igual ou superior a 06 (seis) inteiros, vedado o arredondamento;
c) é nula a prova prático-profissional que contiver qualquer forma de identificação do examinando.
§ 3º Na prova prático-profissional, os examinadores avaliarão o raciocínio jurídico, a fundamentação e sua consistência, a capacidade de interpretação e exposição, a correção gramatical e a técnica profissional demonstrada.
44.Deflui claramente desses preceitos que o Exame de Ordem abrange 02 (duas) provas, uma objetiva e outra prático-profissional, composta esta última de 02 (duas) partes distintas: a redação de peça profissional, valendo 05 (cinco) pontos, e 05 (cinco) questões práticas, sob a forma de situações-problemas, valendo 01 (um ponto) cada uma. Demais disso, enuncia o art. 6º, § 3º, do Provimento, evocado pelo MPF como parâmetro de controle, que, "na prova prático-profissional, os examinadores avaliarão o raciocínio jurídico, a fundamentação e sua consistência, a capacidade de interpretação e exposição, a correção gramatical e a técnica profissional demonstrada".
45.Ora, resta claro, portanto, que, segundo exegese do art. 6º, § 3º, do Provimento, a avaliação da prova prático-profissional do Exame de Ordem Unificado 2010.2 deveria ser, sem prejuízo da adoção de subcritérios, parametrizada com base em 05 (cinco) critérios distintos de qualificação profissional, quais sejam:
o raciocínio jurídico desenvolvido pelo candidato;
a fundamentação utilizada e sua consistência;
a capacidade de interpretação e exposição;
a correção gramatical; e
a técnica profissional demonstrada.
46.A propósito, nesse particular, parece-me plausível a alegação ministerial no sentido de que a correção das provas de 2ª fase do Exame de Ordem não deve se restringir, nos termos modulados pelo Provimento, a uma análise meramente técnico-jurídica, ou seja, circunscrita a apectos relativos à fundamentação utilizada e sua consistência, mas, sim, deve contemplar também outras habilidades exigíveis de um advogado, tais como as relacionadas, por exemplo, ao bom uso do vernáculo e ao raciocínio jurídico desenvolvido. Ponderável também se mostra a afirmação de que as provas dos examinandos deveriam efetivamente receber pontuação progressiva na medida em que constatada excelência em cada um daqueles critérios cumulativos.
47.Por oportuno, destaco que, no que diz respeito ao Exame de Ordem Unificado 2010.1, as predicações do aludido art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009 foram seguidas rigorosamente, tanto que a redação do item 4.5.1 do respectivo Edital constitui quase que uma simples transcrição literal do referido artigo, conforme se infere de sua dicção:
4.5.1 As questões e a redação de peça profissional serão avaliadas quanto a adequação das respostas ao problema apresentado, a domínio do raciocínio jurídico, a fundamentação e sua consistência, a capacidade de interpretação e exposição, a correção gramatical e a técnica profissional demonstrada.
48.Além disso, consoante infiro do documento de fls. 43-45 e das manifestações incontroversas das Partes nesse tocante, nos espelhos de correção individual das provas prático-profissionais relativas ao Exame de Ordem Unificado 2010.1, utilizados pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE/UnB), entidade organizadora do aludido Certame, os quesitos avaliados abrangiam cada um dos critérios fixados no art. 6º, § 3º, do Provimento e no item 4.5.1 do Edital, havendo, ademais, faixas variáveis de valores para cada um dos quesitos.
49.Diferentemente, não consta no Edital de Abertura do Exame de Ordem Unificado 2010.2 nenhuma norma com a mesma minudência descritiva do item 4.5.1 do Edital do Exame de Ordem Unificado 2010.1, tanto que, no que tange aos critérios de avaliação da prova prático-profissional disciplinados naquele Edital, o item 4.2.1 limitou-se a dispor, genérica e lacunosamente, que seria examinada a "adequação das respostas ao problema apresentado", conforme dessume de seu enunciado:
4.2.1 As questões e a redação de peça profissional serão avaliadas quanto à adequação das respostas ao problema apresentado. [gn]
50.As repercussões disso sobre os espelhos de correção individual relativos ao Exame de Ordem Unificado 2010.2, utilizados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), organizadora do Certame, foram evidentes, tanto que, segundo deflui dos documentos de fls. 86-87, 133-136, 185-236 e 251-256, a distribuição dos pontos atinentes à prova prático-profissional foi feita estritamente com base na consistência jurídica das respostas e na compatibilidade com os requisitos formais da legislação processual e da prática forense, sem maiores considerações a respeito de aspectos, v.g., de ordem linguístico-textual ou argumentativo-persuasiva que porventura pudessem ser pontuados, observados os balizamentos do Provimento nº 136/2009.
51.Ora, ao contrário do que afirmam as Demandadas, penso, pelo menos à luz de um exame perfunctório da matéria, próprio deste estádio processual, que resta inequívoco que a correção das provas prático-profissionais (2ª fase) do Exame de Ordem Unificado 2010.2 não se pautou estritamente pelos critérios gerais delineados no art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009, do CFOAB.
52.Não quero, em absoluto, afirmar com isso que a correção levada a efeito pela FGV não tenha sido pautada por critérios ponderáveis. De fato, além de as provas aplicadas evidenciarem bons níveis, a avaliação da Fundação foi realmente bastante criteriosa, com densa e refinada exploração de relevantes conteúdos jurídicos de Direito Material e Processual, imprescindíveis na aferição das habilidades e conhecimentos necessários a qualquer Advogado.
53.Não obstante, a tábua de critérios efetivamente utilizada pelos avaliadores da FGV não correspondeu exatamente ao esquema avaliativo estipulado no Provimento, o qual, na forma do item 1.1 do Edital, deveria reger o Certame, o que, em verdade, não ocorreu estritamente, nesse tocante. Aliás, o próprio Conselho afirmou, em sua peça defensiva, que, conquanto o CESPE/UnB individualizasse a pontuação da prova prático-profissional em quesitos separados e por critérios de avaliação, esse modelo gerava divergências subjetivas, razão pela qual promoveu-se a alteração da sistemática de correção, que vinha causando graves problemas, passando-se, então, a adotar pontuações mais objetivas, com o fito de se aperfeiçoar o modelo, erradicar elementos de subjetividade e não mais incorrer em injustiças e tratamentos anti-isonômicos ("procurou-se objetivar o subjetivo"). Sustentou, outrossim, que não é obrigatório, em todo Exame de Ordem, que os examinadores corrijam as provas profissionais e atribuam pontos, de forma individualizada, a cada um dos critérios descritos no art. 6º, § 3º, do Provimento.
54.Houve, assim, frustração injustificada de expectativas juridicamente legítimas dos candidatos, mormente os reprovados, que efetivamente têm, nos termos dos normativos pertinentes, direito subjetivo líquido e certo à correção e pontuação de suas provas de 2ª fase com base nos critérios atinentes ao domínio do raciocínio jurídico, à fundamentação e sua consistência, à capacidade de interpretação e exposição, à correção gramatical e à técnica profissional demonstrada, tal como foi anteriormente realizado quanto ao Exame de Ordem Unificado 2010.1.
55.De mais a mais, ainda que soem ponderáveis as razões defensivas evocadas pelo CFOAB no sentido de que mudou a mecânica de correção com o objetivo de minorar a influência do subjetivismo nos processos avaliativos, não poderia essa alteração ter ocorrido de inopino, retroativamente e em clara desconformidade com o disposto logo no início do Edital, ao qual a Administração, à semelhança dos candidatos, está estritamente vinculada. Não possui, pois, qualquer respaldo jurídico a realização, no curso do Exame e sem prévia ciência dos interessados, de uma modificação interpretativa e operacional dessa ordem, impactando justamente sobre os critérios de correção da prova prático-profissional estipulados no início do procedimento examinatório. Quanto a esse aspecto, lesionou-se não só o princípio da legalidade, ante a violação do art. 6º, § 3º, do Provimento, mas também o princípio da segurança jurídica, entabulado no art. 2º da Lei nº 9.784/199920.
56.Diante desse cenário, mostra-se, a meu sentir, robustamente intuitivo que a mecânica de correção particularmente adotada pela FGV, em descompasso com a sistemática estatuída no art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009, pode, em tese, ter contribuído, de fato, para a reprovação de muitos candidatos, os quais, por não terem obtido nenhum ponto relacionado, por exemplo, à correção gramatical, não lograram atingir NPPP (nota na prova prático-profissional) igual ou superior a 6,00 (seis) pontos, patamar mínimo exigido no art. 6º, § 2º, alínea "b", do Provimento nº 136/2009 e no item 4.2.5 do Edital21.
57.Esses candidatos, que, confiantes num futuro melhor, aderiram aos termos editalícios e, em regra, recolheram uma expressiva taxa de inscrição, cotada no importe de R$ 200,00 (duzentos reais), ex vi do item 2.1.2 do Edital22, mas não lograram êxito do Certame, têm, portanto, em princípio, direito à recorreção de suas provas prático-profissionais, considerando-se, desta feita, rigorosamente, os critérios estritamente delineados no art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009, medida salutar que, por mais trabalhosa ou onerosa que porventura seja, tem o condão de restabelecer a legalidade e a segurança jurídica afrontadas e a lisura do Certame.
58.A valer, não posso deixar de ponderar ainda que o Exame de Ordem constitui restrição, ainda que legítima e legalmente supedaneada, ao exercício da liberdade individual e econômica e do superlativo direito fundamental ao livre exercício profissional, consagrados expressamente no bojo dos arts. 5º, inc. XIII23, e 170, PU24, ambos da CF/1988, carta que, aliás, elevou os valores sociais e humanísticos do trabalho à categoria de fundamentos estruturantes da República Federativa do Brasil (art. 1º, inc. IV25) e da ordem econômica brasileira (art. 170, caput26). Nessa toada, a recondução do Exame às modulações e requisitos de capacitação ou qualificação profissional exigidos no Provimento nº 136/2009, viabilizando-se, assim, a possibilidade de recorreção das provas dos candidatos que porventura se sentirem prejudicados, constitui, nessa esteira, expediente afirmativo do compromisso com a efetividade e força normativa dessas predicações constitucionais.
59.Sem embargo de reconhecer a plausibilidade da postulação relativa à recorreção das provas com esteio nos parâmetros do art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009, penso que uma decisão judicial nesse sentido deve atingir apenas os candidatos que, aprovados na prova objetiva (1ª fase), foram reprovados no Exame em função de não terem logrado êxito na prova prático-profissional (2ª fase), mesmo que eventualmente tenham recorrido, desde que, obviamente, nesse caso, seu recurso administrativo não venha a ser provido ou seja provido com a concessão de pontuação insuficiente para assegurar sua aprovação, conforme resultado que será divulgado no próximo dia 14.01.2011 (sexta-feira).
60.Deveras, a despeito da flagrante dissonância entre os critérios efetivamente adotados na avaliação da prova prático-profissional e o bloco de parâmetros encartado no art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009, não descuro do fato de que o Exame em epígrafe, realizado por instituição organizadora dotada inequivocamente de grande conceito e credibilidade na condução de certames públicos em geral, no caso, a FGV, evidenciou nível elevado e satisfatório para os fins específicos a que se destinava, tendo sido adotada, ademais, criteriosa e detalhada correção das provas de 2ª fase, na qual foram abordados e exigidos, com a devida densidade, relevantes conteúdos de Direito Material e Processual, conforme, aliás, já ressaltei há pouco. A austeridade do Exame resta, ademais, evidente e inquestionável, ante o elevadíssimo percentual de reprovação registrado, no patamar recorde de 88,19% (oitenta e oito vírgula dezenove por cento) no Brasil todo.
61.Considerando essa peculiar conjunção de circunstâncias concretas, penso que os candidatos que, tendo sido submetidos à severa e pormenorizada avaliação, lograram aprovação no Exame, diretamente, como já ocorreu com 12.635 (doze mil, seiscentos e trinta e cinco) candidatos (v. fl. 267), ou mesmo após a obtenção de provimento em recurso administrativo eventualmente interposto, consoante resultado programado para ser divulgado no dia 14.01.2011 (sexta-feira), evidenciam categórica e suficientemente o conceito e a capacidade técnica necessários ao regular exercício da advocacia, atendendo a contento, portanto, a teleologia particularmente almejada pelo instrumento seletivo, qual seja, a de aferir o nível de qualificação do candidato para o exercício do mister profissional pertinente. Em outros termos, a aprovação desses candidatos ocorreu, de fato, à luz de instrumento ou meio nitidamente idôneo à consecução dos fins avaliativos almejados, razão pela qual se impõe, como imperativo de justiça, razoabilidade e proporcionalidade, a preservação da peculiar situação em que se encontram, cujo conceito e capacidade profissional foram, inclusive, chancelados pela própria OAB, autarquia federal corporativa responsável pela seleção dos advogados em toda a República Federativa do Brasil, a teor do art. 44, inc. II, da Lei nº 8.906/1994 (EOAB)27, cujos atos são, inclusive, presumidamente legítimos.
62.Saliento, por relevante, que, no tocante a esses candidatos, a intentio juris especificamente perseguida pelos arts. 5º, inc. XIII, e 170, PU, da CF/1988 restou devidamente satisfeita, devendo-lhes, dessarte, em atendimento aos fins sociais a que se dirigem as normas aplicáveis ao Exame de Ordem e às superlativas exigências do bem comum, nos termos do art. 5º da LICC28, ser assegurado o pleno e integral gozo do direito constitucional fundamental ao livre exercício do ofício advocatício, cabendo enfatizar ainda que centenas desses candidatos aprovados já estão até inscritos nos quadros da Ordem, na forma do art. 8º, inc. IV, do EOAB29 (v. fls. 267-268).
63.Noutro flanco, a eventual desconstituição da situação jurídica desses candidatos aprovados implicaria, decerto, gravame absolutamente destoante da segurança jurídica necessária à coexistência social, além de se mostrar desproporcional e desarrazoada, vale dizer, afrontaria diretamente os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, como já sugerido.
64.A esse respeito, esclareço que o princípio tridimensional da proporcionalidade predica uma relação equilibrada de adequação (Geeignetheit), necessidade (Erforderlichkeit) e proporção entre meios e fins (Verhältnismässigkeit in eigeren Sinne), para que se torne possível um controle do excesso (eine Übermasskontrolle) e da insuficiência (Untermasskontrolle).
65.Já o princípio da razoabilidade, referenciado na cláusula constitucional do substantive due process, que não se confunde com o aludido princípio da proporcionalidade, gravita em torno da noção do razoável, do racional, somada a uma concepção de consenso social.30
66.Nesse cenário, vale nota que, se sob a égide da "Velha Hermenêutica", os princípios revestiam a feição de meras normas de conteúdo programático, despojadas de eficácia jurídica positiva ou aplicabilidade direta e imediata, pairando, ademais, sobre uma plataforma metafísica comumente exterior à da normatividade, no contexto atual da escola de pensamento jurídico pós-positivista, o status normativo galgado pelos princípios é completamente diverso. Realmente, sob o paradigma neoconstitucionalista, os princípios, tais como os da segurança jurídica, da proporcionalidade e da razoabilidade, encarnados nos textos constitucionais de modo expresso ou implícito, migraram para o centro do sistema jurídico, adquirindo hegemonia ético-axiológica e passando a figurar como fundamentos supremos e estruturantes de toda a pirâmide normativa, cada vez mais pluralista e dialética.
67.Na moderna dogmática jurídica, com o reconhecimento da sua normatividade, os princípios encamparam a função social de traduzir os valores fundamentais do ordenamento e de garantir a unidade e a harmonia do Direito, além de condicionarem qualquer atividade interpretativa, delimitando o sentido e o alcance de todas as regras jurídicas. Os princípios, cuja ambiência natural é a Constituição, figuram, pois, como normas jurídicas qualificadas pelo máximo grau de juridicidade, razão pela qual se chega a falar em um Estado Principial ou Principialista, expressão tipificadora das profundas transformações pelas quais vem passando o Estado Democrático de Direito. No atual paradigma pós-positivista e principiológico do Direito, a "Moderna Hermenêutica Constitucional", reintroduzindo as idéias de justiça e de legitimidade no ethos jurídico, não mais comporta espaço para concepções alheias aos vetores axiológicos e finalistas irradiados da força normativa dos princípios, devendo toda exegese da legislação infraconstitucional ser feita sob o crivo da principiologia proclamada pela Carta Maior, que lhe revela a denominada "vontade da Constituição" (Wille zur Verfassung), na feliz expressão de Konrad Hesse31.
68.Feita essa diferenciação, com resguardo dos interesses dos candidatos aprovados, inclusive aqueles que lograram aprovação após a interposição de eventual recurso administrativo, não identifico qualquer óbice jurídico à divulgação do resultado "final" do Exame, agendada para 14.01.2011 (sexta-feira), razão pela qual o pleito ministerial há de ser indeferido nessa parte.
69.Discorrendo, agora, a respeito da alegada violação da parte final do item 5.7 do Edital, destaco que referida norma tem a seguinte dicção:
5.7 A partir da data de divulgação dos resultados da prova prático-profissional, será possível ao examinando, por meio de consulta individual nos endereços eletrônicos http://oab.fgv.br, http://www.oab.org.br ou nos endereços eletrônicos das Seccionais da OAB, acessar a imagem digitalizada de suas folhas de textos definitivos, assim como o padrão de respostas esperado para as questões práticas/peça profissional e o espelho de correção de sua prova, especificando a pontuação obtida em cada um dos critérios de correção da prova, de modo a conferir ao examinando todos os elementos necessários para a formulação de seu recurso, se assim entender necessário. [gn]
70.No caso em comento, dessume dos espelhos de prova coligidos aos autos às fls. 86-87 e 251-256 que, além de neles não terem sido incluídos quesitos e pontuações específicas relacionadas a vários dos critérios fixados no multicitado art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009, neles consta expressamente, ao final, a seguinte observação:
Esclarecemos que os conteúdos da coluna "quesito avaliado" do espelho de correção individual constituem somente um indicativo dos critérios adotados para a avaliação prova prático-profissional. Em caso de dúvida, o examinando poderá encontrar maiores detalhes no gabarito comentado (padrão de resposta) de cada disciplina. [gn]
71.Uma cláusula desse tipo denota que, de fato, tal como alegado na proemial, não se conferiu aos candidatos "todos os elementos necessários para a formulação de seu recurso", uma vez que a tabela de quesitos figurava apenas como "indicativo dos critérios adotados para a avaliação prova prático-profissional", lacuna que, a meu sentir, não restou solucionada com a simples divulgação do gabarito comentado contento respostas padronizadas.
72.Justifica-se, portanto, que, na recorreção das provas em prol dos candidatos reprovados, sejam observados não só os critérios estatuídos no art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009, mas também que sejam melhor atendidos os ditames do item 5.7 do Edital, atendendo-se, desse modo, as irradiações jurídicas defluentes da garantia constitucional fundamental da ampla defesa, consagrada no art. 5º, inc. LV, da CF/198832.
73.Indica o MPF, no aditamento de fls. 129-132, uma terceira distorção em relação à cotação das notas da peça profissional. Com efeito, embora constem, no art. 6º, § 2º, alínea "a", do Provimento nº 136/2009 e nos itens 3.5.1, 3.5.1.1 e 3.5.1.2 do Edital33, prescrições normativas expressas de que a peça profissional deveria valer 05 (cinco) pontos e cada uma das 05 (cinco) questões, 01 (um) ponto, totalizando, assim, 10,00 (dez) pontos na prova prático-profissional, alega o Parquet que o somatório dos valores máximos das pontuações parciais correspondentes a cada um dos quesitos avaliados na peça profissional de Direito Civil resulta em 6,00 (seis) pontos, e não 5,00 (cinco), como deveria ser.
74.Conquanto se mostre ponderável a alegação ministerial quanto a esses aspectos, a produção probatória a esse respeito mostra-se ainda bastante rarefeita, o que impede incursão cognitiva mais densa sobre a aludida matéria por parte deste Magistrado neste momento inaugural do processo, sem prejuízo de ulterior aprofundamento da temática, desde que à luz de novas evidências empíricas. Enfatizo, ainda, que a possível divergência quanto a esses patamares de notas parece realmente ter relação com as falhas reconhecidas pela própria FGV, que afirma que os equívocos, baseados em erros de digitação de dados, já foram sanados, segundo se pode aferir dos documentos de fls. 63, 64, 65, 73, 99 e 108, bem como da peça de fls. 275-277.
75.De todo modo, tendo em vista que o CFOAB vincula-se juridicamente aos termos do Edital, lei interna do Exame, deve pautar o processo de recorreção com base nos estritos direcionamentos do art. 6º, § 2º, alínea "a", do Provimento nº 136/2009 e dos itens 3.5.1, 3.5.1.1 e 3.5.1.2 do Edital.
76.Por consectário lógico, com a recorreção, deverá ser novamente disponibilizada aos candidatos contemplados por essa medida a possibilidade de recorrerem administrativamente em face dos novos resultados "preliminares" da prova prático-profissional que deverão ser divulgados depois do processo de recorreção, devendo-se obedecer, para tanto, no que for cabível, a liturgia já disciplinada nos itens 5.1.1, 5.2, 5.2.1 e 5.3 do Edital34, dentre outras normas porventura aplicáveis.
77.Nesse tocante, embora seja inconteste que, durante o transcurso do Exame, ocorreram falhas que dificultaram a acessibilidade a sítios da Internet destinados à visualização dos espelhos e à interposição dos recursos administrativos correspondentes, gerando, por consectário, transtornos aos candidatos, não me parece que haja prova enfática, nestes fólios, no sentido de que referidas dificuldades operacionais não tenham sido sanadas a contento ou tenham, de per si, efetivamente impossibilitado o pleno exercício da ampla defesa pelos candidatos. O número de recursos interpostos remonta, aliás, a elevadíssima quantia de 23.000 (vinte e três mil) impugnações, consoante aduzido pelo Conselho (v. fl. 260), motivo pelo qual a divulgação do resultado "final" foi diferida para o dia 14.01.2011 (sexta-feira).
78.A par dessas ponderações, é cediço que a FGV constitui sólida instituição organizadora de grandes certames públicos, de forma que é de se presumir que dispõe de adequada estrutura tecnológica capaz de dar vazão a demandas concentradas de acessos eletrônicos compatíveis com as dimensões subjetivas do Exame, o que, obviamente, não impede a ocorrência pontual, ocasional, casual, de alguns problemas técnicos, característica escusável, típica dos mecanismos humanos, fatalmente falíveis. Não merece guarida, pois, pelo menos nesta fase inaugural do processo, a pretensão de re-estruturação do aparato tecnológico a ser disponibilizado em favor dos candidatos.
79.Por derradeiro, em que pese compreender que, em certos casos pontuais, a limitação, nos termos do item 5.4 do Edital35, do número de caracteres de cada recurso ao patamar de 2.500 (dois mil e quinhentos) signos pode virtualmente comprometer o pleno exercício da ampla defesa em desfavor de alguns candidatos, não posso deixar de reconhecer que o balizamento genérico se faz necessário, como ferramenta de racionalização dos trabalhos de correção, viabilizando sua regular operacionalidade e impedindo a interposição de muitos recursos demasiadamente extensos, o que dificultaria, decerto, a regular e célere fluência do Exame. É mister, outrossim, apontar que, na forma da referida norma editalícia, o limite de 2.500 (dois mil e quinhentos) caracteres refere-se a cada recurso passível de interposição, sendo que, no que diz respeito à prova prático-profissional, é cabível o manejo de um recurso para cada questão prática e um para a peça profissional, o que, em rigor, viabiliza a utilização de 15.000 signos para fins de defesa.
80.Nessa linha de intelecção, eventuais situações concretas em que restar caracterizada quebra da ampla defesa em função da limitação do número de caracteres hão de ser analisadas e ponderadas casuisticamente, inclusive, se necessário, com acesso ao Judiciário, sendo, pois, temerário o deferimento de medida judicial precária de cunho genérico e com eficácia erga omnis que simplesmente afaste a prescrição editalícia, presumidamente legítima.
81.Já no que concerne ao requisito atinente ao periculum in mora, entendo que o receio potencial e iminente de dano relacionado à carga temporal ínsita ao processo funda-se não só nos evidentes transtornos a serem suportados pelos candidatos reprovados em função de indevida correção de suas provas, o que vem figurado como fator indutor de profunda indignação e grande celeuma entre os candidatos prejudicados, mas também se assenta no fato de que essa grave situação vem, decerto, impossibilitando que muitos candidatos possam ser aprovados no Exame e, consequentemente, se inscrever na OAB, podendo, assim, usufruírem de seu direito constitucional fundamental ao livre exercício profissional.
82.Noutro plano, não se justifica a alegação de existência de periculum in mora reverso, já que as Demandadas estão sendo simplesmente compelidas a replicarem, particularmente no que tange ao Exame de Ordem Unificado 2010.2, procedimentos avaliativos que acabaram de executar e que executam sistemática e periodicamente.
83.De mais a mais, os candidatos recolheram taxas de inscrição em expressivo valor, no importe de R$ 200,00 (duzentos reais), o que, em princípio, parece cobrir, para cada candidato, os custos necessários a incidentes como o dos autos. Deve-se levar em conta ainda que não será necessária a recorreção das provas dos milhares de candidatos aprovados, que também pagaram a mencionada taxa de inscrição, o que, em rigor, compensaria financeiramente as despesas pertinentes, salvo contundente prova em sentido contrário, o que, contudo, não foi produzido a contento pelas Demandadas, apesar da oportunidade que lhes foi concedida para tanto.
84.Assim, tendo sido devidamente satisfeitos os requisitos exigidos pelo marco legal aplicável ao caso, bem como não incorrendo a situação em nenhuma das hipóteses de interdição jurídica ao deferimento, em parte, da tutela emergencial postulada, impõe-se a concessão parcial do pleito.
III. DELIBERAÇÃO
85.Ante o exposto, defiro, em parte, o pedido de antecipação de tutela, para efeito de, no tocante ao Exame de Ordem Unificado 2010.2, compelir o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) a, articulada e harmonicamente:
promoverem, em prazo razoável36, a recorreção, com base nos parâmetros do art. 6º, § 3º, do Provimento nº 136/2009 e dos itens 3.5.1.1 e 5.7 do Edital, das provas prático-profissionais de todos os candidatos que, no ato de inscrição do Exame, optaram pelas Seccionais da OAB sediadas no território da Subseção Judiciária de Fortaleza, nos termos do art. 2.4.1 do Edital, e que, aprovados na prova objetiva (1ª fase), foram reprovados no Exame em função de não terem logrado obter nota suficiente (no mínimo 6,00) para aprovação na prova prático-profissional (2ª fase), mesmo que eventualmente tenham recorrido, desde que, obviamente, nesse caso, seu recurso administrativo não venha a ser provido ou seja provido com a concessão de pontuação insuficiente para assegurar sua aprovação, conforme resultado programado para ser divulgado no próximo dia 14.01.2011 (sexta-feira)37; e
após a recorreção dessas provas, realizarem a divulgação dos espelhos de todas as provas recorrigidas e concederem prazo para a interposição de eventuais novos recursos administrativos em face das recorreções realizadas, apreciando-os regularmente, obedecendo, para tanto, no que for cabível, a liturgia operacional já disciplinada nos itens 5.1.1, 5.2, 5.2.1 e 5.3 do Edital, dentre outras normas porventura aplicáveis.
86.Com o fito de racionalizar os trabalhos relacionados aos referidos comandos judiciais, fica facultado às Demandadas abrirem prazo razoável e disponibilizarem ferramentas adequadas para que os próprios candidatos que se enquadrem no perfil acima descrito e que tenham se sentido efetivamente prejudicados pelos fatos que serviram de base a esta decisão possam manifestar se querem ou não que seja realizada a recorreção (tal como um requerimento eletrônico de recorreção). Nessas situações, as recorreções limitar-se-ão aos candidatos que porventura manifestarem validamente interesse nesse sentido, observados os meios disponibilizados para tanto.
87.Intimem-se. Cumpra-se. Cite-se.
88.Expedientes de MÁXIMA URGÊNCIA, inclusive, se necessário, com o uso de fax, telefone e e-mail, bem como com a utilização dos serviços disponibilizados no PLANTÃO.
Fortaleza-CE, 13 de janeiro de 2011.
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MARCUS VINÍCIUS PARENTE REBOUÇAS
Juiz Federal Substituto da 3a Vara
Respondendo pela Titularidade da 4ª Vara Federal

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